quinta-feira, 8 de abril de 2010

Celeridade da prestação jurisdicional, mas com atenção ao advogado







“Sem probidade não pode haver justiça; mas probidade também significa exação, que seria uma probidade trocada em miúdos, para ser gasta nas pequenas práticas correntes.
Isso deve ser dito do advogado, cuja probidade se revela, de forma modesta mas contínua, na precisão com que ordena as peças, na compostura com que veste a beca, na clareza da sua escrita, na parcimônia do seu discurso, na diligência com que mantém o empenho de entregar as petições no dia estabelecido.
Isso deve também ser dito, sem ofender ninguém, do juiz, cuja probidade não consiste apenas em não deixar corromper, mas também, por exemplo, em não fazer esperar duas horas no corredor os advogados e as partes convocadas para prestar depoimento.

Piero Calamandrei
(Eles, os juízes, vistos por um advogado (tradução Eduardo Brandão). São Paulo : Martins Fontes, 1995, pág. 42).

Inspirado pelo ensinamento acima transcrito, do italiano Piero Calamandrei, mas, sobretudo pela experiência inúmeros advogados que diariamente aguardem indefinidamente o início de suas audiências, é que a ATEP vem lutando pela implantação de um procedimento que evite o constrangimento de colegas advogados, sem prejudicar o jurisdicionado.
Esse dilema fez com que a ATEP agisse com cautela, sempre ouvindo os colegas. Há várias gestões o assunto é recorrente nas reuniões ordinárias da associação. O inconformismo dos advogados com a demora exagerada (não raro por duas, três ou mais horas de atraso) para o início das audiências, mas também a preocupação em dar ao jurisdicionado, seu cliente, uma resposta pronta do judiciário.
Quando atuando na defesa de trabalhadores, principalmente, é que a preocupação com a rapidez na conclusão do processo se mostra mais presente. O trabalhador, normalmente desempregado, não raro concorda em aguardar quantas horas forem necessárias. Quer resolver seu problema naquele dia mesmo.
A expectativa pela celeridade processual, contudo, não é exclusiva dos trabalhadores (ou de seus advogados). Empregadores também têm interesse na rápida solução da lide, seja homologação de um acordo firmado com seu ex-empregado, seja pela prolação de uma sentença que ponha fim à incerteza quando a existência ou não de direito da outra parte.
Para participar de uma audiência, a exigência de preparação é comum a ambas as partes, bem como seus advogados. A coordenação para garantir a presença das partes, testemunhas e advogados exige certo esforço, notadamente para enquadramento entre compromissos já assumidos e agendados.
Empregados e empregadores, contudo, normalmente não são clientes permanentes do judiciário. Comparecem algumas vezes ao judiciário, quando a sua presença se faz indispensável. Diferentemente, advogados estão presentes no judiciário diariamente, seja por força dos processos que precisam verificar pessoalmente, seja por conta das audiências das quais participarão. Assim, enquanto o jurisdicionado tem “o seu dia no judiciário”, o advogado lá passa todos os seus dias. Os compromissos do advogado, contudo, ultrapassam aqueles que devem ser realizados em audiência. A elaboração de petições, normalmente sujeitas a prazos, exige estudo e dedicação. Também há necessidade de reserva na agenda para o atendimento de clientes, sem contar as necessidades que, como qualquer pessoa, o advogado também tem.
No momento da audiência, dure ela o quanto durar, o advogado está efetivamente trabalhando. Enquanto ela não tem início e, sobretudo, quando está atrasada, o tempo de espera é computado como perdido.
Pequenos atrasos são admitidos e até mesmo esperados, considerando a realidade cultural brasileira. Em países mais organizados isso seria um verdadeiro absurdo.
Como uma tentativa de solucionar o problema no âmbito trabalhista, o Ministro do TST, João Oreste Dalazen, quando Corregedor Geral, editou a Consolidação dos Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho - CPJT. O artigo 46 dessa consolidação atendeu um antigo pleito da nossa classe, que é o de evitar o excessivo atraso na realização das audiências.
Prevê o referido dispositivo o seguinte:

TÍTULO VII
DAS AUDIÊNCIAS - NORMAS PROCEDIMENTAIS
NO DISSÍDIO INDIVIDUAL
Adotada audiência uma nos processos de rito ordinário, cabe ao juiz:
I – elaborar a pauta com intervalo de 15 minutos entre uma audiência e outra, de modo que não haja retardamento superior a uma hora para a realização da audiência;
II – adiar ou cindir a audiência se houver retardamento superior a uma hora para a realização da audiência.      

Como se pode perceber, o objetivo da norma é evitar o atraso na realização das audiências. Contudo, algumas ponderações devem ser feitas, notadamente porque devem ser afastadas interpretações equivocadas a respeito da intenção do editor da referida medida.
Com efeito, não quis o Ministro Corregedor desestimular a boa condução do processo, com a realização de uma instrução cuidadosa, em que seja assegurada às partes, por seus advogados, o pleno exercício do contraditório e da ampla defesa. Isso significa dizer que não se acelerar a audiência apenas como obrigação de cumprimento de horário. O dever do magistrado para com as partes é, antes de tudo, um dever para prestação da tutela jurisdicional. A expressão “devido processo legal” traz a idéia de processo justo (com decisão justa, proferida após cognição exauriente). E a pressa é inimiga da perfeição. Assim, não se pode pretender que, sob o pretexto de evitar o atraso das audiências, controle-se o tempo de sua duração. Da mesma forma como não se quer um atendimento cronometrado com um médico, o jurisdicionado certamente não quer um tempo cronometrado para o exercício do seu direito de defesa. A jurisdição não pode ser exercida no compasso apressado. Que a audiência dure o que quanto for necessário durar, mas que se realize uma boa instrução.
A norma e destaque, portanto, só pode dizer respeito ao procedimento a ser adotado pelo juízo quando a audiência tiver o seu início atrasado em uma hora ou mais. Nesse caso, e somente nesse caso, é que deverá o juiz transferi-la para outra data. É possível, ainda, que dadas as circunstâncias do caso, as próprias partes e advogados prefiram permanecer aguardando a realização da audiência (por causa da dificuldade em trazer determinada testemunha, de uma viagem previamente marcada, outro compromisso assumido etc.).
Assim, não se pode descartar a possibilidade de um acordo entre as partes ou seus advogados, para continuarem aguardando a realização da audiência. Não havendo acordo, contudo, não se deve deixar partes e advogados aguardando indefinidamente, a não ser que o próprio judiciário assuma a responsabilidade pelos prejuízos causados em virtude desse imoderado atraso.
Embora o artigo 46 da CPJT determine a transferência da audiência, a ATEP já firmou posicionamento no sentido de que deve ser admitida a espera, desde que as partes e advogados estejam de comum acordo. Sem esse acordo, contudo, deve ser inevitável a transferência, como uma medida de respeito não somente às partes, mas também aos profissionais que as representam e freqüentam o fórum diariamente.
Quanto ao intervalo mínimo de 15 minutos entre uma audiência e outra, a ATEP percebe a norma com o sentimento de que se trata de uma determinação visando evitar o atraso superior a uma hora. É certo, contudo, que não há qualquer garantia de que, organizando a pauta dessa forma, não ocorrerá o atraso de uma audiência.
De fato, a experiência diária nos fóruns trabalhistas nos autoriza a afirmar que a grande maioria dos processos é encerrada na primeira audiência, seja por arquivamento, desistência ou acordo. Quando há uma instrução, porém, a sua duração normalmente supera em muito os 15 minutos previstos. E já se explicou que não pode haver um apressamento na realização dessa instrução. Exigir a observância desse limite, portanto, é provocar o atraso da prestação jurisdicional, fazendo com que uma audiência atualmente marcada para, no máximo, 15 dias da data do ajuizamento seja adiada para dois meses ou mais.
O assunto voltou à discussão, seja por conta da atualidade do problema (que é freqüente), seja por conta de uma proposta apresentada à Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho e que deve ser analisada no dia 27 de abril pelo Colégio de Corregedores dos Tribunais Regionais do Trabalho. A proposta apresentada, como noticiado no site do TST (http://ext02.tst.jus.br/pls/no01/NO_NOTICIAS.Exibe_Noticia?p_cod_noticia=10495&p_cod_area_noticia=ASCS), é para que o inciso II do artigo 46 da CPJT seja modificado, passando permitir o adiamento se houver requerimento das partes e advogados no caso de atraso superior a 1 hora.
A inversão da ordem, exigindo o acordo para que haja a transferência, parece ser perigosa. Dessa forma é possível que haja conflito entre os próprios advogados, pois bastará que um não concorde com a transferência que o impasse se instalará. Bem melhor a determinação da transferência, condicionando a espera ao acordo que o contrário (condicionando a transferência ao acordo). Impõe-se um limite à espera e não se apressa a realização da audiência.
Se há algo que pode ser modificado no artigo 46 da CPJT é o inciso I. Este sim não tem razão de ser. Quanto ao inciso II, bem melhor para os advogados trabalhistas que se mantenha intacto, até mesmo para se evitar que em alguns tribunais a sua modificação seja vista como carta branca para atrasos e um problema para ser resolvido somente pelos advogados. O Judiciário tem sua parcela de responsabilidade e deve assumi-la, em conjunto com os advogados.
A celeridade da prestação jurisdicional na Oitava Região é fruto de um enorme esforço dos magistrados e servidores trabalhistas, disso ninguém ousa duvidar, mas é importante reconhecer que os advogados também tem uma grande parcela de contribuição (muitas vezes involuntária), que é a de, volta e meia, permanecerem aguardando por horas e horas o início de uma audiência, com o sacrifício de sua saúde e demais compromissos profissionais e familiares. Vale lembrar, mais uma vez, que enquanto aguarda, o advogado deixa de desenvolver outras atividades.
Assim, que fique registrado, publicamente, o posicionamento da ATEP a respeito do tema, ressaltando o ensinamento de Calamandrei: para quem a “probidade não consiste apenas em não deixar corromper, mas também, em não fazer esperar duas horas no corredor os advogados e as partes convocadas para prestar depoimento”.

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